O COLECIONADOR EULIDSON NOVAES



Conforme relatei no facebook, meu avô era muito muito especial. Fazia de tudo, entendia de tudo e tinha um carisma enorme. Eu e minha irmã, que até então os outros dois ainda não eram nascidos, realmente tivemos uma infância inesquecível no que diz respeito à avós.Lembro-me que as crianças sentiam um pouco de inveja, inveja de criança, inocente, mas sentiam. Todos ficavam doidos para conhecê-lo. Quando falo que acreditava em papai noel com toda a convicção que eu podia ter, era justamente por ele ser uma pessoa extremamente criativa. Quando ia chegando o natal ele nos colocava sentadas no seu escritório e pedia que escrevêssemos a carta ao papai noel. Só sabíamos "desenhar" "Joãozinho sobre, Maria desce", mas ele falava que era necessário falar em voz alta o que estávamos escrevendo para que ele corrigisse algum erro que tivesse. No natal, estava lá exatamente o que havíamos pedido ao papai noel. E com um detalhe: por mais que tentássemos ficar acordadas para ver o papai noel, nunca conseguíamos e ao amanhecer já estavam lá, os presentes. Sempre gravava e fotografava tudo que fazíamos. A um tempo atrás descobrimos uma fita cassete de um diálogo meu, dele e da minha irmã. Minha irmã, mais mais nova 2 anos, conversava bastante, agora eu...só escutei risadas.

Bom, mas vamos ao que interessa. Ele colecionava cachaça e tinha em torno de 2500 garrafas inéditas e cerca de 1000 repetidas. Passava horas no escritório cuidando destas garrafas, pelas fotos da para perceber que as 4 paredes eram cobertas de cima até em baixo por garrafas de cachaça, cada uma com um nome mais surpreendente. Ele tinha tudo cadastrado e as pessoas adoravam ouvir as historias de cada uma. A´,  foi lançada a cachaça com a foto do Pelé, porém aconteceu uma confusão por não pagarem os direitos autorais. Dessa forma, a ordem foi retirar do mercado todas as garrafas. Mas cinco delas não foram recuperadas. Estavam espalhadas pelo mundo. Mas meu avô foi um dos cinco contemplados e pelo que ouvi, as outras estariam em outros países. Assim, a curiosidade em cima da sua coleção, era muito grande.Jornais, rádios, etc queriam fazer uma reportagem com ele. Temos uma edição do jornal Estado de Minas mas no momento está sumida, aqui em casa claro mas assim que encontrarmos colocarei aqui no blog para vocês terem ideia do que estou falando.

Essa é a danada!!!!



Além da cachaça, colecionava pedras preciosas, antiguidades e moeda. Além dos animais embalsamados que ficavam logo na entrada do apartamento: tartaruga, que eu fazia de cavalinho, tatu e um jacaré. Outra proeza do meu avô foi que ele que conseguiu o reconhecimento da categoria de sindico, que até então este profissional não recebia nada pelo serviço prestado. Isso foi de grande relevância pois sabemos que a vida de um sindico não é nada fácil. Abaixo estão dispostas algumas fotos mas eu não vou parar por aqui, tenho muita coisa interessante para contar do meu avô e creio que vocês irão gostar também. Em breve trago algumas curiosidades sobre ele. Quem se interessar digite em um site de busca "Eulidson Novais". Aparecerá vários pontos comerciais e públicos que estão localizados à Rua Eulidson Novais em Montes Claros. Então realmente ele era notório pois, município nenhum homenagearia um cidadão dando seu nome à uma rua ou avenida se ele não tivesse se sobressaído de alguma forma. Me orgulho muito de ser neta de Eulidson Novais e Maria Miranda Novais que também foi uma grande guerreira, de uma fortaleza inexplicável apesar de toda sua suavidade.

       
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 Aqui era seu reduto, onde passava horas datilografando com uma rapidez sem igual, e detalhe usando apenas os dedos indicadores



Hum ...só mais um detalhe muito importante, que mostra ainda mais a sua personalidade forte, sua determinação. Até a sua morte me lembro dele tentando nos fazer rir. Era meu companheiro e comparsa, quando ainda criança, devido á alergias serias, fui proibida de comer chocolate. Mas ele sempre dava um jeitinho, e não morri por causa disso, tá aí vivinha. Eu acho que ele não era desse mundo mas isso, nunca poderemos saber.... Até a próxima história.


REPORTAGEM ESTADO DE MINAS 1974 


Um colecionador, de velhas coisas

Hiran Firmino – Alvimar de Freitas
Quinta feira, 3 de janeiro de 1974

Um pequeno apartamento da. serra em Belo Horizonte, conserva o passado com cuidado de museu.

Pelos objetos antigos, etiquetados e datados que vão desde a sala de visitas até o "quartinho das belezas", onde se encontram cerca de 2.500 garrafas de cachaça de marcas diferentes (uma das maiores coleções do país) percebe-se na pessoa de seu proprietário, Eulidson Novaes, uma estranha. história de amor pelo passado.



Aos 51 anos de idade, Eulidson lembra-se de quando recebeu de seu pai a certidão original de seu nascimento" escrita, à bico de pena”, no cartório de Montes Claros, sua terra Natal. Foi isto que despertou-lhe o gosto pelas antiguidades e as coleções. Mas tem, também, incentivo de sua esposa, dona.Maria Miranda Novais; que gosta de vê-Io sempre entretido com o velho"hobby".

Na sua simplicidade, Eulidson pede atenção para o enorme Tatu Canastra, considerado compadre da casa, com 1,45 metro de comprimento, por 80 centímetros de altura. um exemplar' empalhado de espécie muito rara, foi trazido por um amigo de Mato Grosso.

Aquele Tatu Canastra é o guarda da coleção de turmalinas, turquesas, ametistas e águas marinhas, disposta numa cristaleira iluminada, toda Intercalada de peças históricas, com uma espada de ferro usada na Guerra do Paraguai.

Na. mesa de madeira, o passado parece não ter sido ontem. Uma grande pedra, encontrada em Carancupa, Santa Catarina, contém um fóssil do permiano inferior da era paleozóica, de idade calcuIada em 280 milhões de ános; e numa pedra menor, uma amostra de míneral atômico. achada em Guanhães, baseada em ouxenita pergusonita.

Uma original máquina de costura de mão, feita de ferro fundido e um tear usado no reinado de Pedro I ornamentam o resto da sala, que termina nos 180 anos da jarra. de louça imperial, relíquia da cidade de Campanha, antiga sede do bispado do Brasil.

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Belezas do passado



O passado continua pelo corredor e brilha, no “quartlnho das belezas", de 12 metros. quadrados, onde Elidson guarda as suas 2.500 garrafas de cachaças, vindas de todas as partes do Brasil.

O vasilhame vai desde bambu até a porcelana, contendo cachaças puras de alambique, composta s e ornamentadas de frutas (que crescem dentro das próprias garrafas). além de outros tipos, todas feitas através da fermentação da mandioca, do umbu, da maçã e de outros processos típicos de determinadas regiões.

Eulidson, é uma. pessoa realizada. Sente satisfação em contar as estórias interessantes das suas "belezas" e apontar os nomes típicos da sua coleção como: "Lambidinha", "Goteira", "Consolo de Corno", "Lacerdinha.", "Chinelada", "Segura o Tombo", e "Canela de Saçafrás", enquanto segura, com as duas mãos e muito carinho, a "Maravilha do Século XX" (original), datada de 1921, a mais antiga cachaça de sua coleção.

“Sempre vivi procurando as "belezas". Era só ouvir notícias delas. Quando eu trabalhava, em 1958, na construção da Rio-Bahia, consegui muitas "belezas". E elas me deram um trabalhão em transportá-las".

EulidSon Novais explica: "Naquela época, as viagens eram feitas de jeep e ficávamos em acampamentos, onde a tentação dos companheiros de bebê-Ias era constante e insuportável".

"Foi ali - continua - que consegui as primeiras "Januárias", fabricadas na "Capital das Cachaças do Brasil", feitas através de processos rudimentares e envelhecidas em porões de fazendas, hoje ambicionadas pelos negociantes e colecionadores".

 

Paixão e alegria

"Quatro anos depois, quando estive em peçanha, - prossegue o colecionador - por ocasião do casamento da filha. do "seu" Cícero, fazendeiro tio do banqueiro João do Nascimento Pires, ocorreu-me o caso da "cristalina". Tudo porque eu recusei uísque, o que causou grande reboliço, Fui levado à presença do seu Cícero, que me ofereceu um gole da sua cachaça particular.

"Ele ficou sensibilizado e também como era amante das "belezas", me presenteou com a "Cristalina" - fabricada em 1945 - reservada especialmente para o casamento de sua filha. Desde aquele dia, tomamo-nos grandes amigos".

"Outra alegria - recorda Euli dson – eu tive quando um amigo meu, inspetor do Banco da Lavoura, em 1963, me trouxe uma "beleza" lá de Ponta Porã, fronteira. do Mato Grosso, fabricada na fazenda consolacion no Paraguai".

A "Duarte" também comoveu o velho colecionador, quando ele esteve em Diamantina, foi procurado por um dos irmãos Duarte daquela cidade, que o levou até o fundo de um quintal.

Lá ele desenterrou uma “beleza”, guardada desde 1940, da qual tive de trocar a tampa e lacrar novamente, dando-lhe este nome em sua homenagem".

Ao narrar os fatos de cada uma, Eulidson vai retirando as demais "belezas" dos mostruários e colocando-as na mesa de madeira, que tem sob a tampa de vidro uma quantidade incrível de poesias e trovas, além de citações e fotografias que mostram a influência da cachaça no nosso cancioneiro popular.



Futebol, política e ironia

Como bom mineiro tradicional, EuIidson é torcedor do América. Tem orgulho em apontar a “coelho” situada privilegiadamente, entre as suas rivais: a "Galo Forte" e a "Cruzeirinha".,

Na mesma prateleira vêem-se exemplares comemorativos das copas do mundo ganhas peIa seleção brasileira: a afamada "Pelé" (muito falsificada) e a "Maracanã", que lembra a inauguração .do estádio carioca, em 1950.

Uma curiosa perseguição levou o colecionador a percorrer o interior de Minas e o littoral do Nordeste, em busca dos alambiques que sobreviveram ao ciclo da cana-de-açúcar, industrializadas pelos descendentes dos antigos senhores de engenho. Mas - como ele diz tristemente - "o desleixo levou as poucas "belezas" encontradas a perderem os nomes originais e as datas em que foram fabricadas". As três "alegrias", procedentes, de Montes Claros, diferentes nos rótulos e na composição, foram fabricadas em épocas diversas pela mesma família.

Já as ,"JK-6S" e "Castelo Branco", fabricadas após as eleições, segundo Eulidson, testemunharam a repercussão da política partidária. em Minas, principalmente" no interior, onde os antigos simpatizantes dos . partidos tinham, até preconceitos. Evitavam bebê-Ias."A Ironia popular e o pitoresco da vida - Eulidson chama a atenção - são retratados nas "sem-vergonhas", pela evidência das ,caricaturas e mensagens obscenas contidas nos rótulos de algumas, "belezas", capazes de ainda hoje causar pânico entre a tradicional sociedade moralista".

Uma falta

Mas a vida do colecionador não é só procurar e conseguir: “Fico chateado em lembrar que não consegui a danada da “XXV” fabricada justamente na minha terra natal. Daquela já ouvi muitas estórias, através de velhos apreciadores conterrâneos meus, já falecidos”.

Em compensação – disse Eulidson- consegui um exemplar do primeiro licor de pequi, de lá também, cuja receita. foi descoberta pelo farmacêutico' Fróis Neto, considerado o pioneiro na fabricação deste tipo de licor, hoje famoso em todo o País". '

A vida nos detalhes

Trabalhando como despachante em diversas repartições públicas de Belo Horizonte, Eulidson é uma pessoa bastante conhecIda e estimada, que mal tem tempo ,para receber os amigos em sua casa, seja para conhecer as "belezas" ou para provarem das duplicatas que ele mantém reservadas especialmente para essas ocasiões.

O passado não ,fica.•.somente,. nas tantas"belezas". Resultado de um trabalho paciente" de pesquisa, Eulidson mostra, agora um grande álbum contendo' todos os recortes e' charges retirados de jornais' e revistas da época, que retrataram a idealização e, concretização de Brasília, e a vida. politica de seu criador; Juscelino Kubitschek.
Mineiro abnegado ao passado político de Getúlio vargas e John kennedy, Eulidson revela documentos importantíssimos que mostram a influência politica dos dois, desbotados e apodrecidos recortes •.



No último álbum, EuliidSon tem todos oi dados que documentam o nascimento da' Era. Espacial no Brasil.
Eles falam do eclipse do sol de 12 de novembro de 1945 (por volta das 11, às 13 horas) através da foto do marco afixado no acampamento da região de senhora dos Olhos Rasos D'Água em' Bocaiúva.



Recortes e mais recortes. Eulidson vai recordando a vinda da comissão americana presidida pelo professor Lymann Briggs, autor do Manhattan project, que resultou na criação da Bomba Atômica, e a presença de Van Bierbroeck, cientista que confirmou a teoria. de Einstein.

Antes de fechar a porta das recordações Eulidson retira detrás das "belezas" o seu albunzinho predileto:

"Este é de coração,' pois nele guardo a 21 anos" todos os cadernos e desenhos de minha filha Carmem Lucia, desde os seus primeiros rabiscos no jardim de infância, até a sua formatura, esto ano".

O passado continuará presente todos os dias na casa do colecionador. Ele já está colecionando, com o mesmo carinho, todos os objetos pessoais e escolares de sua netinha, para encerrá-los num álbum que ficará num canto qualquer, no meio das suas “belezas” esquecidas da vida, lembradas na saudade.



Nota

A reportagem foi escaneada e corrigida pois o original está a bastante tempo guardado, e algumas palavras estavam apagadas.

A “netinha” citada acima, vocês já sabem quem é? Claro que sou eu .
















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